12 de out. de 2014

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   Selma, vestida de sangue, serrou a mandíbula e puxou o gatilho. Desprovida de qualquer receio ou peso na consciência, gastou as duas munições que o velho rifle conseguia suportar. Com a destreza que a situação exigia, não desperdiçou nenhum dos tiros que deu e ainda tentou, sem sucesso, um terceiro. O estalado desmuniciado do gatilho a trouxe de volta à realidade. Olhou e contemplou o sangue que escorria em direção às fendas do chão de madeira gasta e pensou que já era hora de ir.

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Autor: Thiago Delano, (Fragmentos).

4 de out. de 2014

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    Pela janela entreaberta, era possível observar uma nesga duma estrada ingrime de terra que levava à floresta fechada. Havia muitas árvores. Selma teve a sensação de estar muito longe da civilização. A cabana com paredes de palha transada manualmente estava enfumaçada por conta da lareira que, apesar de estar sem chamas, ainda era capaz de estalar algumas faíscas que produziam uma fumaça escura com um cheiro perturbador de plástico queimado. Selma sentia seus olhos arderem e tinha a sensação de estar engolindo uma boa quantidade de cinzas mas ainda era capaz de manter-se em silêncio. Destra, Selma verificou os punhos e aliviou-se por não estar amarrada à cadeira que sentava. Inspirou profundamente duas ou três vezes, verificou também os bolsos apesar de certa que não encontraria nada e constatou que seus pertences haviam sido retirados dali. Carteira, celular, chaves e até o troco em moedas que havia recebido do café que comprara. Nada. Nem mesmo uma boa dose do uísque que sempre carregava no bolso da jaqueta.
    Selma ouviu passos largos sob folhas secas e alguns gravetos que se quebravam com cada passada. Sua respiração já não era tão silenciosa, apresentava um discreto tremor nas mãos e começava a suar frio. Ouviu os passos fazendo uma averiguação minuciosa em volta de toda a cabana e depois de alguns minutos percebeu um distanciamento dos passos. Pensou que aqueles poderiam ser passos masculinos. Voltou a olhar pela fresta da janela por onde conseguia ver a pequena estrada de terra. Com certeza, aqueles eram passos masculinos. Grisalho, baixa estatura e um pouco acima do peso. Usava um elástico para prender o chumaço de cabelos que ainda restava nos cantos da cabeça. Vestia uma camisa azul marinho visivelmente gasta e usava uma sandália de couro nos pés. Antes que pudesse analisar outros detalhes, o velho homem se embrenhou na mata densa. Selma não conseguiu enxergar seu rosto.
   
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Autor: Thiago Delano, (Fragmentos).